Ao contrário de todo o restante do livro, o capítulo 4 não foi escrito por Daniel, mas sim pelo rei Nabucodonosor.
É meio constrangedor reconhecer que alguém tão ímpio e cruel como ele tenha participado da construção da Bíblia. Não está escrito?:
“Homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo.” II Ped. 1:21
Como conciliar uma coisa com a outra? O próprio capítulo responde, vamos ler Daniel 4:1-3
“Nabucodonosor rei, a todos os povos, nações, e línguas, que moram em toda a terra: Paz vos seja multiplicada. Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo. Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosas as suas maravilhas! O seu reino é um reino sempiterno, e o seu domínio de geração em geração.”
Nabucodonosor não era mais um rei ímpio quando escreveu essas palavras. Algo acontece nesse capítulo que vira do avesso a vida deste personagem, algo impossível de ser produzido por qualquer esforço humano. Vamos acompanhar essa transformação:
“Eu, Nabucodonosor, estava sossegado em minha casa, e próspero no meu palácio. Tive um sonho que me espantou; e estando eu na minha cama, os pensamentos e as visões da minha cabeça me perturbaram.” Dan.4:4e5
Nabucodonosor tinha uma idéia fixa: “O que acontecerá depois que eu morrer? Qual será o futuro de Babilônia depois que eu partir dessa pra melhor? Permanecerá eternamente, acabará?” Essa dúvida movia o rei a construir palácios grandiosos, templos magnificentes e jardins suspensos belíssimos; levava-o a manter imensos exércitos e a investir muito em campanhas militares. Queria a todo custo que seu reino fosse eterno. Os acontecimentos dos capítulos 2 e 3 nos mostram isso claramente!
Um dia, porém, o último povoado distante foi subjugado, o último tijolo colocado e o rei estava sossegado em sua casa, próspero. Não havia por enquanto o que fazer, nem com que se preocupar. As aparências indicavam que o império havia chegado ao seu auge. Ah, agora ele podia morrer em paz... dali pra frente as coisas andariam sozinhas! Babilônia era gloriosa, auto-sustentável, incólume, inatingível.
Mais uma vez o rei tem um ataque de estrelismo e então Deus intervêm. No capítulo 2 já tinha sido assim, no 3 também... Parece que o pobre rei não aprende, mesmo!
Deus resolver mandar um aviso através de um sonho:
“Eram assim as visões da minha cabeça, estando eu na minha cama: eu olhava, e eis uma árvore no meio da terra, e grande era a sua altura; crescia a árvore, e se fazia forte, de maneira que a sua altura chegava até o céu, e era vista até os confins da terra. A sua folhagem era formosa, e o seu fruto abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e dela se mantinha toda a carne. Eu via isso nas visões da minha cabeça, estando eu na minha cama, e eis que um vigia, um santo, descia do céu. Ele clamou em alta voz e disse assim: Derrubai a árvore, e cortai-lhe os ramos, sacudi as suas folhas e espalhai o seu fruto; afugentem-se os animais de debaixo dela, e as aves dos seus ramos. Contudo deixai na terra o tronco com as suas raízes, nu ma cinta de ferro e de bronze, no meio da tenra relva do campo; e seja molhado do orvalho do céu, e seja a sua porção com os animais na erva da terra. Seja mudada a sua mente, para que não seja mais a de homem, e lhe seja dada mente de animal; e passem sobre ele sete tempos.” Dan 4:10a16.
Esse sonho tirou o sono do rei, pois, por mais que não soubesse interpreta-lo inteiramente, sabia que se referia a ele. Chamou então os sábios e mais uma vez ninguém soube interpretar. Assim aparece Daniel na história.
Agora, entretanto, a mensagem que cabia a Daniel interpretar continha uma repreensão. Não era tão fácil como dizer: “Ó rei, tu és a cabeça de ouro”. A história era outra! A Bíblia conta que o profeta ficou atônito.
Muitos hoje não sabem agir quando precisam repreender alguém, então não repreendem. Ficam calados diante dos erros e assim tornam-se coniventes. Uma pessoa joga um papelzinho de bala no chão ao nosso lado e ficamos quietos. Agimos como se aquele papelzinho não fosse fazer diferença, ignorando que são as nossas constantes omissões que tornam a cidade mais suja.
“E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as.” Efés. 5:11
O exemplo do papelzinho pode ser pequeno, mas se negligenciamos a repreensão até na hora do papelzinho, o que diremos dos outros comportamentos errados mais complexos? Porém, temos que sempre tomar cuidado com atitudes farisaicas. Daniel disse: “A árvore que viste (...) és tu, ó rei (..)” depois de muita comunhão com Deus e uma vida praticamente impecável.
Jesus disse:
“Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós. E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.” Mat. 7:1-5
Daniel estava em plena forma espiritual para desempenhar essa função, mesmo assim ele não a desempenhou com insensibilidade, rigidez e falso moralismo. Ele disse:
“(...) senhor meu, o sonho seja contra os que te têm ódio, e a sua interpretação, para os teus inimigos.” Dan 4:19 “(...) ó rei, aceita o meu conselho e põe termo, pela justiça, em teus pecados e às tuas iniqüidades, usando de misericórdia para com os pobres; e talvez se prolongue a tua tranqüilidade.” Dan 4:27
dasdasdNabucodonosor estava avisado. Deus nunca aplica a pena em ninguém sem antes avisa-la e dar a oportunidade de mudança.
“Certamente o Senhor Deus não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas.” Amós 3:7
Como a árvore do sonho, sua honra seria tirada, seu juízo e poder seriam tirados por sete anos, até que reconhecesse que o Deus do céu domina. E foi exatamente o que aconteceu.
Não temos por que julgar a atitude do rei. Todo ser humano é assim. Adianta avisar a criança que o fogão é quente e que ela vai se queimar? Não, ela só vai aprender com a queimadura.
Deus nos conhece, sabe como somos teimosos e volúveis. É por isso exatamente que nos repreende. João 15:2 nos ensina uma grande lição:
“Toda vara em mim que não dá fruto, ele a corta; e toda vara que dá fruto, ele a limpa, para que dê mais fruto.”
Se Deus não visse mais jeito em nós, Ele simplesmente nos cortaria fora e desistiria das nossas vidas. Mas não é assim que Ele age: nos poda para que possamos dar mais fruto.
Alguns ele poda pouco, outros poda até a raiz, como Nabucodonosor, mas o resultado esperado é sempre o mesmo: tornar possível a nossa salvação. Durante aqueles sete anos o rei teve a oportunidade de pensar muito em sua vida, suas escolhas e suas prioridades. Quem sabe se pudéssemos parar pra pensar como ele, chegaríamos a esta mesma conclusão:
“Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo. Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosas as suas maravilhas! O seu reino é um reino sempiterno, e o seu domínio de geração em geração.” Dan. 4:2e3.
Como o salmista diz:
“Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” Salmos 46:10